Pé-de-Meia: descomplicando a numismática.

por LEONARDO TUPINAMBÁ

Explore o fascinante universo da numismática com o renomado numismata brasileiro, Leonardo Tupinambá, aqui no Pé de Meia. Navegue por nossa coleção de artigos e textos cuidadosamente elaborados por Leonardo, um especialista reconhecido nacionalmente. Vislumbre os segredos das moedas, cunhagens e história monetária, enquanto se envolve nas cativantes narrativas e análises proporcionadas por um dos mais respeitados nomes da comunidade numismática brasileira. Seja você um colecionador experiente ou um entusiasta iniciante, encontrará neste espaço um verdadeiro tesouro de conhecimento e paixão pela numismática.

 

 

01 de maio de 2024.

Leonardo Rodrigues Tupinambá*

 

CADA COISA EM SEU LUGAR

 

A confusão de conceitos e definições, em qualquer ramo do conhecimento com pretensões a científico, incluso a numismática, deve incessantemente ser evitada. Nessa perspectiva, a rigor da boa técnica, há de se distinguir “ensaios monetários”, “provas de cunho” e “provas”. É que tais peças, apesar de serem produzidas oficialmente com o mesmo objetivo, qual seja, testar as moedas que virão a circular, diferem, basicamente, pela fase em que a avaliação ocorre, mas não só, como doravante se aclarará.

 

Os ensaios monetários embora sigam certas orientações da autoridade emissora são peças que tiveram seu design desaprovado para a circulação [1] , razão pela qual possuem motivos (gravuras ou temas), legenda ou letragem (fonte/tipo das letras) bem diferente do projeto selecionado ao final, sendo ainda relativamente comuns porque durante um bom tempo, no concurso para a escolha da melhor formatação de neófitas emissões de moedas, era preciso confeccionar algumas peças como e para demonstração.

 

 No Brasil, já houve ensaio monetário que trazia gravado expressamente essa sua peculiaridade/condição no corpo da moeda, mas isso não se tornou costumeiro, malfadadamente. Malfadadamente porque essa ausência de precisão ocasiona até hoje certas celeumas quanto a melhor classificação de algumas peças. Basta dizer, como comprovação do predito, que a moeda em cuproníquel de 50 réis de 1781, 1o Tipo ou “Fundo Liso”, apesar de costumeiramente catalogada como de circulação regular, segundo parecer de alguns expertos, não teria realmente entrado em difusão, pelo que deveria ser considerada como ensaio monetário. A pequena quantidade cunhada, de apenas 143 unidades, em comparação com o montante de moedas nas outras duas cifras do mesmo ano [2] é forte indicativo disso, afora que novas moedas de 50 réis só vieram a ser cunhadas a partir de 1886, já com a mudança de designe (para o modelo conhecido como 2o Tipo ou de “Fundo Linhado”).

 

O principal fator de desaprovação dos ensaios monetários era e continua a ser a dificuldade ou o custo de sua cunhagem, razão pela qual tantas peças bonitas, mas exageradas em esmiúces e informações, ficam pelo meio do caminho.

 

Uma situação concreta sobre a rejeição de um ensaio monetário pode tornar o entendimento mais preciso, razão pela qual segue:

No Brasil, todos os padrões monetários depois [3] do Cruzeiro adotaram o termo centavo para designar sua unidade centesimal, tendo o Decreto-Lei n. 7.672, de 25 de junho de 1945, estabelecido as abreviaturas “ct” e “cts”, respectivamente, para centavo e centavos. Há, entretanto, uma curiosidade relacionada logo a primeira emissão de moedas do padrão Cruzeiro (1942-1967): um ensaio monetário do ano de 1941, feito em alpaca ou latão, tendo, de um lado, a efígie do então presidente Getúlio Vargas e, do outro, o valor divisionário de 50 “centimos”, palavra bem mais comum a língua espanhola que ao português e gravada, inclusive, sem seu acento gráfico.  Como é cediço, as moedas efetivamente lançadas para a circulação nos anos de 1943 até 1947 que representavam a metade de Cr$ 1,00 foram feitas em níquel rosa (1942-1943) e em bronze-alumínio (1943-1947), tendo seu valor anotado como 50 centavos.

 

[1] Apesar da regra, alguns ensaios monetários foram indevidamente postos a circular por falhas na Casa da Moeda, sofrendo posterior recolhimento. Caso clássico, defendido por alguns autores, é o da moeda de 400 réis, datada de 1914, conhecida como “pescoço curto”/“pescoço comprido”.

 

[2] 4.000.000 moedas de 100 réis e 3.650.000 moedas de 200 réis cunhadas no ano de 1781.

 

[3] A exceção coube justamente ao primeiro e anterior padrão monetário nacional cujos valores divisionários, milesimais, eram contados em réis.

 

 

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* Promotor de Justiça, Escritor, Membro da Sociedade Numismática Maranhense e da Sociedade Numismática Brasileira.

1 Apesar da regra, alguns ensaios monetários foram indevidamente postos a circular por falhas na Casa da Moeda, sofrendo posterior recolhimento. Caso clássico, defendido por alguns autores, é o da moeda de 400 réis, datada de 1914, conhecida como “pescoço curto”/“pescoço comprido”. 

 4.000.000 moedas de 100 réis e 3.650.000 moedas de 200 réis cunhadas no ano de 1781.

3  A exceção coube justamente ao primeiro e anterior padrão monetário nacional cujos valores divisionários, milesimais, eram contados em réis.

 

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As provas de cunho, de seu turno, são feitas após a aprovação de um projeto/modelo de uma nova moeda para circular, destinando-se, como a própria denominação sugere, ao teste dos cunhos recém-fabricados antes de sua submissão ao processo conhecido como têmpera (resfriamento rápido para aumentar a dureza do metal). Sendo assim, a moeda gerada para tal finalidade guarda boa parte das características daquelas futuramente disponibilizadas a difusão, delas se distinguindo pelo tipo de metal ou por detalhes mais secundários, nem por isso menos perceptíveis, como falta de elementos (legendas, por exemplo), ausência de cunhagem em uma das faces [1], variação de diâmetro e/ou espessura do disco, diferença na qualidade do acabamento ou na constituição da borda (geralmente lisa, sem inscrições ou serrilha).

 

Como na sobredita fase não se quer de maneira alguma danificar os cunhos “virgens”, usam-se com frequência, preferencialmente, para as provas de cunho, metais mais dúcteis, considerados de “ligas vis”, como é o caso do estanho, chumbo, latão, alumínio, ferro e zinco, dentre outros.

 

[1]  Pontue-se a existência de peça bifacial catalogada, com duas faces de Floriano Peixoto, feita em liga metálica (bronze-alumínio) no ano de 1939. A cifra da peça, ausente, seria de 2.000 réis.

 

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[1] Pontue-se a existência de peça bifacial catalogada, com duas faces de Floriano Peixoto, feita em liga metálica (bronze-alumínio) no ano de 1939. A cifra da peça, ausente, seria de 2.000 réis.

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As provas (propriamente ditas) são as primeiras moedas geradas tal e qual o modelo aprovado para circular, mas que não são disponibilizadas a população em geral e sim a certas instituições e  grupos (autoridades, pessoas envolvidas no seu projeto artístico ou de produção, colecionadores), só se tornando distinguíveis de suas similares comuns pela colocação de uma inscrição - “PROVA” -  ou de uma letra - “P”[1] – em uma das faces, contudo em proporções bem reduzidas.

 

[1] Traduzido, por alguns, como “Primeira Cunhagem”.

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[1] Traduzido, por alguns, como “Primeira Cunhagem”.

[1] Pontue-se a existência de modelos, do ano de 1967, com a inscrição “prova” colocada ora ao lado da cifra, ora ao lado da efígie.

 

 

Exatamente pela sua tiragem limitada, não necessariamente rara, é que os ensaios e as provas são um deleite para os numismatas. Nada obstante, a parca informação até presentemente catalogada sobre eles impulsiona sanhas especulativas e até criminosas, estas últimas traduzidas na venda de moedas falsas, algumas de época, como se um exemplar deles fosse, justo pela discrepância em relação ao modelo original.

 

Moral da história, parafraseando-se máxima do escritor “Di Castilho”, pode-se dizer que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, mas quando as duas se misturam o resultado nem sempre é boa coisa.

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

AMATO, Claudio Patrick; DAS NEVES, Irlei Soares. Livro das Moedas do Brasil: 1643 – 2021. 16. ed. São Caetano do Sul/SP: ARTGRAPH Serviços Gráficos Ltda, 2021.

 

BORGES, Marcelo Rocha. Moedas do Brasil: cupro – alumínio – aço inox – ensaios e provas. São Paulo: Perfecta, 1993, v. IV.

 

COSTA, Ney Chrysostomo da. História das moedas do Brasil. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1973.

 

GOMES, Edil. Manual de erros em moedas 2: defeitos e anomalias em moedas brasileiras. Botucatu/SP: GRAFMAIS Editora, 2020.

 

PADUA, Saturnino de. Moedas Brasileiras (Guia do Colecionador). Rio de Janeiro: Editado pelo autor, 1941.

 

TRIGUEIROS, Florisvaldo dos Santos. Dinheiro no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial, 1987.

 

20 de março de 2024.

Leonardo Rodrigues Tupinambá*

 

DE ÚLTIMA HORA

 

Se “todo o mundo é composto de mudança”[1], não há como exigir que na numismática seja diferente. 

 

As moedas de 1 cruzeiro em níquel, comemorativas do Sesquicentenário da Independência do Brasil, por exemplo, foram originalmente previstas como peças de bordo serrilhado, tendo o Conselho Monetário Nacional mudado de ideia e optado pela forma atualmente conhecida, isto é, com bordo inscrito, até então inédita[2]-[3], entre as Sessões n. 188 e n. 195, respectivamente realizadas em março e agosto de 1972, pouco antes da difusão efetiva da peça (iniciada em 08/11/1972 e com duração até 28/02/1986).

 

Em sendo mantido o plano inicial não existiria o modelo normal (com a legenda padrão), muito menos sua variação sem legenda (mais difícil, por conseguinte, mais cara) ou com a legenda “invertida” (interessante, mas bem comum[4]).

 

Outra curiosidade é que a peça em questão, de tiragem regular, ou seja, destinada a circulação padrão, foi a única feita na Casa da Moeda do Brasil, ao passo que suas versões em prata e ouro, respectivamente nos valores de 20 e 300 cruzeiros, foram encomendadas junto a Casa da Moeda de Paris, motivo pelo qual numa das faces, mais precisamente entre o mapa do Brasil e a cifra, aparecem as duas marcas monetárias símbolos de tal entidade, a cornucópia e a coruja. 

 

Pontue-se, por oportuno e conveniente, que os três modelos de moedas comemorativas dos 150 Anos da Independência do Brasil do Reino de Portugal estampam apenas o diapasão de tempo da efeméride (1822 - 1972), não tendo sido produzidas somente no ano de 1972, como sugere o destaque numérico no anverso e a grande maioria dos catálogos, mas em diferentes datas de cunhagem, sendo elas, segundo CAFFARELLI (2002, p. 207-209):

 

a) no modelo em níquel: 1972 (5.600.000 unidades), 1973 (14.398.000) e 1974 (1.000 unidades);

b) no modelo em prata: 1972 (250.000 unidades) e 1973 (252.000 unidades), e;

c) no modelo em ouro: 1972 (30.000 unidades) e 1973 (20.000 unidades).

 

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* Promotor de Justiça, Escritor, Membro da Sociedade Numismática Maranhense e da Sociedade Numismática Brasileira.

 

[1] Trecho de soneto do poeta português Luís de Camões (1524 – 1579/1580).

 

[2] Os bordos das moedas brasileiras já tinham sido lisos, serrilhados, poligonais e sinuosos.

 

[3] Nada obstante o teor da nota anterior, calha aclarar a existência de uma peça, tida tradicionalmente como um ensaio monetário ou como uma moeda fantasia, que contém no bordo, no lugar da serrilha, a inscrição “DEOS PROTEGE O BRASIL”. A referida moeda, batida em ouro na quantidade de 50 unidades com cifra de 20.000 réis, surgiu durante os testes de uma prensa a vapor fabricada pela Casa da Moeda do Brasil, em cuja inauguração, ocorrida aos 3 de dezembro de 1855, compareceu D. Pedro II.  Outras de suas características são: a) no anverso, a efígie de D. Pedro II, conhecida como 2o Tipo, voltada à esquerda e circundada pela legenda padrão da época, data no exergo, e; b) no reverso, o escudo coroado de armas do império, ladeado por ramos de tabaco e café, mas sem a legenda “IN HOC SIGNO VINCES” a cobrir-lhe.

 

[4] Assim como hodiernamente acontece com as moedas de 50 centavos da chamada “Segunda Família do Real”, a inscrição no bordo da peça em destaque precede o processo de cunhagem pelo que inexiste padrão sobre qual sentido é o correto em relação ao anverso ou ao reverso.

 

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A mudança de bordo descrita alhures, com seus dividendos numismáticos, por óbvio, não é a única alteração de projeto em moedas da numária nacional, sendo antecedida e sucedida por outros tantos casos. Um deles, por ser bem mais recente e igualmente interessante, merece menção honrosa:

 

A moeda de 10 centavos da chamada “Segunda Família do Real” estava pronta para circular, mas precisou ser refeita de última hora para se adequar a precedentes simbolismos pátrios. Explica-se:

 

Na primeira versão, Dom Pedro I aparecia empunhando a espada com a mão esquerda na proclamação da independência do Brasil, afinal, era canhoto. A despeito disso, alguém viu que o primeiro imperador brasileiro foi retratado erguendo a espada com a mão direita na célebre pintura de Pedro Américo, a obra-prima ufanista “O Grito do Ipiranga”, composta entre 1886 e 1888, cuja imagem já havia enfeitado o reverso da cédula de 200 cruzeiros, circulante de 13/06/1951 a 30/08/1973.

 

Como a supramencionada pintura, desde sua apresentação, tornou-se a principal imagem da proclamação da independência do Brasil, muito embora esteja repleta de erros históricos, por força de um equívoco repetido, o canhoto D. Pedro I voltou a ser destro, deixando sua moeda de 10 centavos desconcertada e desconsertada.

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Moral da história: “Cada segundo é tempo para mudar tudo para sempre” (Charles Chaplin).

                                    

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

AMATO, Claudio Patrick; DAS NEVES, Irlei Soares. Livro das Moedas do Brasil: 1643 – 2021. 16. ed. São Caetano do Sul/SP: ARTGRAPH Serviços Gráficos Ltda, 2021.

 

CAFFARELI, Eugenio Vergara. As Moedas do Brasil: Desde o Reino Unido: 1818-2000. São Paulo: Editado pelo autor, 2002.

CINTRA, André; TORELLI, Renato. Histórias que o dinheiro conta. São Paulo: Lumus Editora, 2006.

 

COSTA, Ney Chrysostomo da. História das moedas do Brasil. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1973.

 

GOMES, Edil. Manual de erros em moedas 2: defeitos e anomalias em moedas brasileiras. Botucatu/SP: GRAFMAIS Editora, 2020.

 

TRIGUEIROS, Florisvaldo dos Santos. Dinheiro no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial, 1987.

 

 

09 de março de 2024.

Leonardo Rodrigues Tupinambá*

 

DATA SHOW (PARTE I)

 

A grande maioria das moedas traz estampado, como data, o ano de emissão, sito no exergo[1] do campo[2] de uma das faces, dado este tão evidente que prescinde de maiores explicações.

 

A despeito do sobredito, a identificação da data de emissão em algumas peças exige uma certa peculiaridade de conhecimento quando não determinado aprofundamento interpretativo. Exemplo clássico dessa realidade pode ser encontrado na numária espanhola, tal qual doravante se explanará.

 

  • As moedas espanholas cunhadas durante o período do franquismo[3] (1936-1975) e no começo do reinado de Juan Carlos I[4] (1975-2014), mais precisamente entre o final da década de 1940 e o início da década de 1980, possuem um modelo muito singular de datação, senão, veja-se:

 

  • A data com maior realce, bem mais facilmente perceptível ao observador, logo, principal, localizada no anverso da moeda, no exergo embaixo da efígie, é a data do decreto de autorização de emissão.A data de emissão (fabricação), por seu turno, encontra-se no reverso, no interior de duas pequenas estrelas que margeiam a cifra por extenso, em números ainda mais diminutos, consistindo o par dentro da primeira estrela no indicativo do século e o par dentro da segunda estrela do informativo da década.

 

Uma amostragem do sistema pode gerar melhor entendimento e, para tanto, é conveniente o uso de uma peça do período, qual seja, a moeda de 1 peseta, autorizada em 1966 e cunhada de 1967 a 1975.

 

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* Promotor de Justiça, Escritor, Membro da Sociedade Numismática Maranhense e da Sociedade Numismática Brasileira.

[1] É a parte inferior de cada lado da moeda (por vezes delimitado por uma linha horizontal). No exergo, em regra, constam informações como a data, a marca da casa de cunhagem e a sigla do gravador.

[1] É a face, o fundo ou a superfície de ambos os lados de uma moeda onde são cunhadas as efígies, temas, tipos e inscrições.

[1] O franquismo foi o governo ditatorial fascista de Francisco Franco na Espanha.

[1] Após a morte de Franco, Juan Carlos I conseguiu fazer a transição pacífica do regime ditatorial para a democracia parlamentar, sendo o monarca mais longevo da Espanha. Em junho de 2014 abdicou a Coroa em prol de seu filho, que ascendeu ao trono com Felipe VI, mas continuou a usar o título de rei em caráter honorário, mantendo, inclusive, o tratamento de “Sua Majestade”.

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A primeira impressão ao se observar a figura 1 é de que se trata de uma moeda de 1966, pois é o que exprime a data no anverso, sita abaixo do retrato de Francisco Franco voltado à direita. Mas a data real de emissão é a que está no reverso, nas estrelas que ladeiam a palavra “UNA”, posicionada à esquerda do brasão de armas da Espanha. Sendo assim, como na primeira estrela consta o número “19” e na segunda estrela o número “74”, o ano de emissão é “1974”. Essa peça é costumeiramente catalogada como “1966 estrela 74”, abreviado para “1966*74” ou “1966*19-74”, seguindo, suas congêneres de ciclo, a mesma representação.

 

Essa formatação de datas perdurou até o ano de 1982, quando então uma nova série, nos valores de 1, 2, 5, 25 e 50 pesetas, conhecida como “Emisiones M Coronada”[1], passou a conter somente a data de emissão. Como consequência, as moedas comemorativas do Campeonato Mundial de Futebol de 1982 (1982 FIFA World Cup), jogado na Espanha, também possuem mais de uma data gravada, posto que produzidas de 1980 a 1982. Dentre essas, chama especial atenção as moedas batidas em 1981 porque nelas podem ser encontrados os anos de 1980 (data de autorização da cunhagem - no exergo do anverso), de 1981 (data da efetiva emissão – dentro das estrelas do reverso) e de 1982 ou simplesmente 82 (data do evento – na legenda e dentro da representação de uma bola situadas sobre a cifra do reverso).

 

 

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[1] Em tradução livre para o português: “Emissões M Coroado”. A denominação deveu-se a letra monetária constante no reverso das peças, qual seja, um “M” em maiúscula da Casa da Moeda de Madri abrigado sob uma coroa. 

 

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Em suma, a sutileza de datação do conjunto de moedas espanholas em voga inspira cuidado, mas em curto espaço de tempo seu entendimento transforma estranheza em admiração. 

 

Moral da história: “Não tão complicado demais, mas nem tão simples assim” (refrão da música “Champanhe e Água Benta”[1], do grupo Charlie Brown Jr.).

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

CALICÓ, Xavier Estívill. Numismática española: Catálogo general com precios de todas las monedas españolas acuñadas desde los Reyes Católicos hasta Felipe VI, 1474 a 2020. Barcelona: AUREO & CALICÓ S. L., 2019.

 

 

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[1] Composição: Chorão, Marcão, Champignon e Pelado.

 

CUJAH, George S.; MICHAEL, Thomas. Standard Catalogo of World Coins: 1901-2000. 40 ed. Lola, Wisconsin: Krause Publications, 2013.

 

TÂMEGA, César; VICENTE, Jean. Moedas de A a Z: O Manual do Colecionador. Tupã/SP: Gráfica Anália Franco, 2021, v. 1.

 

 

25 de fevereiro de 2024.

Leonardo Rodrigues Tupinambá*

 

PERDENDO A CABEÇA

 

A mula sem cabeça é uma entidade do folclore brasileiro caracterizada, na maioria dos contos, como a maldição das concubinas dos padres, que se transmudam na forma de um muar com fogo no lugar da cabeça e que cavalga, desde o crepúsculo da quinta-feira até o alvorecer da sexta-feira, assombrando a quem encontra pelo caminho.

 

A violência do galope e a estridência de seu relincho são ouvidos de longe, causando arrepios. De perto, contudo, seria possível também escutar os choramingos lamentosos e arrependidos da anterior forma humana ao ponto de se compadecer de seu sofrimento.

 

A tradição informa que o castigo acompanha a manceba do padre durante a mantença do relacionamento amoroso ou como punição depois da morte. Num e noutro caso, contudo, o infortúnio pode ser quebrado por aquele que se depara com a aparição, seja fazendo-a verter sangue, seja retirando-lhe o freio de ferro que carrega próximo ao lugar da ausente cabeça.

 

Nunca vi mula sem cabeça, mas já vi moeda sem cabeça, entenda-se, sem a efígie do homenageado, consistindo geralmente numa anomalia chamada uniface. A uniface é gerada quando duas moedas entram juntas, uma sobre a outra, no processo de cunhagem, recebendo as batidas dos lados externos (que acabam gravados), mas não dos internos (que permanecem lisos). Essas duas moedas, ao saírem da prensa, possuirão apenas um lado talhado, anverso ou reverso, faltando-lhes justamente o motivo, símbolo, cifra ou homenageado do lado oposto.

 

A título de exemplo, segue, abaixo, uma moeda uniface, graduada como MS65[1] (FCe ou FDCe = flor de cunho excepcional[2]) pela PCGS (Professional Coin Grading Service)[3], logo, sem indicativo de manipulação/modificação posterior a cunhagem geradora da anomalia. Nela resta ausente a efígie de Getúlio Dornelles Vargas, presidente brasileiro de seu período de emissão[3] e político que mais tempo permaneceu à frente do Executivo nacional  (de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954).


 

* Promotor de Justiça, Escritor, Membro da Sociedade Numismática Maranhense e da Sociedade Numismática Brasileira.

 

[1] A Escala Sheldon, desenvolvida por William Sheldon em 1949, é um sistema de graduação do estado de conservação das moedas que se divide em 70 graus. Uma forma ligeiramente modificada dessa escala tornou-se a versão padrão para graduação das moedas nos EUA sendo também utilizada pela grande maioria das instituições bem creditadas que oferecem tal serviço. A versão modificada, em apertada síntese, é composta por um estado de conservação identificado por uma ou duas letras acoplado a um valor numérico variável cuja interpretação precisa ser conjunta. Para se ter uma ideia, somente dentro da graduação MS (“Mint State”), equivalente ao nosso FC ou FDC, podem existir até 11 níveis ou graus (de MS60 a MS70).

 

[2] Atualmente, na graduação brasileira, seria um estado de conservação igual ou superior ao MS65 na Escala Sheldon. Em resumo, é entendido como um estado de conservação superior ao FC ou FDC (flor de cunho), correspondendo a uma moeda praticamente perfeita, sem defeito de cunho, sem marcas de contato e com seu brilho original.

 

[3] Empresa estadunidense, fundada em 1985 e com sede na Califórnia, que presta serviço de classificação, autenticação, atribuição e encapsulamento de moedas.

 

 

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Diz a lenda sobre a moeda em destaque que a cabeça do homenageado voltará em caso de quebra do “slab”[1], mas nesta nuance, em particular, não pretendo testar ou esvaziar o mito. Isso porque, em bom trocadilho, melhor é perder a cabeça que perder o juízo.

 

Moral da história: “Toda a beleza do mito é justamente seu mistério inacessível, seu enigma não decifrado” (Arnaldo Jabor).

 

 

[1] Cápsula protetora em formato retangular composta por duas partes de acrílico que se encaixam e um suporte interno emborrachado, com ou sem hastes, na qual a moeda se encaixa e também se destaca. O “slab”, cuja tradução livre para o português seria “laje”, propicia mais espaço para a identificação das moedas, sendo lacrado quando originário das instituições de graduação justamente para preservar o grau atestado de conservação da peça em seu interior.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

CAFFARELI, Eugenio Vergara. As Moedas do Brasil: Desde o Reino Unido: 1818-2000. São Paulo: Editado pelo autor, 2002.

 

CASCUDO, Luís da Câmara. Geografia dos mitos brasileiros. 2. ed. São Paulo: Global, 2002.

 

CINTRA, André; TORELLI, Renato. Histórias que o dinheiro conta. São Paulo: Lumus Editora, 2006.

 

GOMES, Edil. Manual de erros em moedas 2: defeitos e anomalias em moedas brasileiras. Botucatu/SP: GRAFMAIS Editora, 2020.

 

TÂMEGA, César; VICENTE, Jean. Moedas de A a Z: O Manual do Colecionador. Tupã/SP: Gráfica Anália Franco, 2021, v. 1.

 

19 de fevereiro de 2024.

Leonardo Rodrigues Tupinambá*

 

O SOL PERUANO

 

Embora não tão conhecido entre nós, e talvez justamente por isso menos valorizado, o “Sol Peruano” nada deixa a dever em beleza para o “Sol Argentino”. Refiro-me, mais precisamente, a moeda de 8 reales emitida de 1837 a 1839 pelo Estado Sul-Peruano, república presidencialista de parca duração (1836 – 1839), com capital em Tacna, surgida quando da divisão do Peru em dois[1] e formada pela união dos departamentos de Arequipa, Ayacucho, Cuzco e Puno.

 

Em verdade, o “sol” que integra tais moedas, bem como as bandeiras e os brasões de vários países da América do Sul, é uma simbologia de Apu Inti, deus solar dos antigos incas e deidade mais importante de seu panteão por exercer a soberania no plano superior ou divino, cuja representação era um disco de ouro com feições humanas[2].

 

Apu Inti possuía um grande templo em Cuzco, capital do Império Inca, onde as múmias dos imperadores, considerados como filhos e intermediários no plano terreno da divindade, eram guardadas, cercadas por muralhas feitas em ouro, material usado como adorno religioso por ser tido como o suor do sol.

 

O “Sol”, inclusive, é desde 2016 a unidade monetária do Peru, substituindo, por motivos de desvalorização inflacionária, uma sequência de moedas relacionadas ao astro-rei ou ao deus inca, a saber: “Sol” (1863-1985), “Inti” (1985-1991) e “Nuevo Sol” (1991-2015).

 

A utilização do sol na numária peruana, seja em gravação (cunho da imagem), seja em nominação (batismo da unidade monetário), invoca seu clássico poderio de destruidor da escuridão (por clarear o céu), nada obstante, o Peru, em decorrência da inflação, tem uma economia parcialmente dolarizada, na qual 70% (setenta por cento) da liquidez do sistema bancário tem sido em dólares americanos, razão pela qual sua população, ao tratar de grandes negócios ou de acautelar-se (poupança), prefere a moeda estrangeira.

 

Moral da história: se é certo que o sol nasce para todos também o é que para alguns brilha mais intensamente.


 

* Promotor de Justiça, Escritor, Membro da Sociedade Numismática Maranhense e da Sociedade Numismática Brasileira.

 

[1] Neste e no Estado Norte-Peruano, com capital em Lima.

 

[2] No Brasil, os índios também adoravam uma divindade solar equivalente, incluso na representação, nominada Guaraci, Quaraci, Coaraci ou Coraci (do tupi “Kûarasy”, traduzido como “sol”).

 

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REFERÊNCIAS:

 

APU INTI. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Apu_Inti. Acesso em: 14 fev. 2024.

 

BIEDERMANN, Hans. Dicionário ilustrado de símbolos. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1993.

 

CUJAH, George S.; MICHAEL, Thomas. Standard Catalog of World Coins: 1801-1900. 7. ed. Lola, Wisconsin: Krause Publications, 2012.

 

ESTADO SUL-PERUANO. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Disponível em : https://pt.wikipedia.org/wiki/Estado_Sul-Peruano#:~:text=O%20Estado%20Sul%2DPeruano%20fez,A%20sua%20capital%20era%20Tacna. Acesso em: 14 fev. 2024.

 

SOL (MOEDA DO PERU). In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Sol_(moeda_do_Peru).  Acesso em: 14 fev. 2024.

 

 

18 de fevereiro de 2024.

Leonardo Rodrigues Tupinambá*

 

ERRAR É HUMANO

 

O governo do presidente argentino Carlos Saúl Menem encarregou a Inglaterra de fabricar 70 milhões de moedas de 1 peso no ano de 1995[1]. Em algumas dessas moedas bimetálicas, identificadas no Word Coins (Catálogo Krause) como KM n. 112.3, na legenda que circunda o sol representado ao centro do núcleo amarelo, consta a inscrição “PROVINGIAS DEL RIO DE LA PLATA” ao invés do correto “PROVINCIAS DEL RIO DE LA PLATA”.  O erro ortográfico foi detectado quando 56 milhões dessas moedas já haviam sido fabricadas. O restante desse lote, cerca de 14 milhões, não apresentou erro.

 

Apesar do número elevado de cunhagens em que o “C” deu lugar ao “G”, a moeda tem sido objeto de espantosa valorização nos últimos tempos dentro da Argentina, sendo buscada com afinco por leigos e colecionadores que acreditam num encarecimento ainda maior por vir, justo pela peculiaridade da peça.


 

* Promotor de Justiça, Escritor, Membro da Sociedade Numismática Maranhense e da Sociedade Numismática Brasileira.

 

[1] Esse modelo de 1 peso argentino, produzido de 1994 até 2016, teve cunhagem em vários países, pelo que a peça datada de 1995 foi também produzida pela Coreia do Sul (185 milhões) e pela França (90 milhões).

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Anote-se que o erro de grafia na palavra “PROVINCIAS” não é novidade na numária da Argentina, tendo também ocorrido na rara peça de 8 reales, 1815 F, cunhada em Potosí/Bolívia e identificada no World Coins (Catálogo Krause) como KM n. 14. Nela a palavra em voga consta batida com supressão de letras (PROVICIAS). 

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Perceba-se que num intervalo de tempo de 180 anos, “coincidentemente”, a Argentina emitiu duas moedas com erro na mesma palavra (províncias ou, em espanhol, “provincias”)[1], circunstância que serviu como catalisador de cotação para as peças, vez que as tornou em variantes de cunho.

 

Neste ponto, oportuno distinguir variante de cunho e variante de cunhagem, ainda que em apertada síntese, tal qual segue.

 

Na variante de cunho as mudanças, intencionais (reparo ou aperfeiçoamento do material original) ou não (desatenção), são desdobramentos do processo de criação do próprio cunho, ocorrendo no desenvolvimento de seu desenho (projeto técnico de padronização) ou quando de sua abertura (estampagem do desenho em metal). Dessa forma, o detalhe alterado ou errado é reproduzido e repassado automaticamente, através da cunhagem nas prensas, a toda uma série de moedas enquanto esse cunho se mantiver em uso.

 

A variante de cunhagem, por seu turno, ocorre devido a uma falha humana ou mecânica no processo de prensagem das moedas (ou ao menos assim deveria ser)[2].  

 

Ao que tudo está a indicar, com fulcro em exemplos no Brasil e no estrangeiro relacionados ao aquecimento do mercado de defeitos e variantes em moedas, a perfeita execução do projeto de tais peças importa cada vez menos. E pensar que o monarca inglês Henry I, no ano de 1124, mandou castrar 94 trabalhadores da Casa da Moeda local acusados de produzir peças de má qualidade.

 

 Moral da história: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades…” (Luís de Camões).

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

CUJAH, George S.; MICHAEL, Thomas. Standard Catalog of World Coins: 1801-1900. 7. ed. Lola, Wisconsin: Krause Publications, 2012.

 

GOMES, Edil. Manual de erros em moedas 2: defeitos e anomalias em moedas brasileiras. Botucatu/SP: GRAFMAIS Editora, 2020.

 

JANSON, Hector Carlos. Amonedación de la República Argentina (1881-2009). 5. ed. Buenos Aires: SOPEÑA, 2009.

 

TÂMEGA, César; VICENTE, Jean. Moedas de A a Z: O Manual do Colecionador. Tupã/SP: Gráfica Anália Franco, 2021, v. 1.

 

 

[1] Assim como o Brasil é uma República Federativa organizada política e administrativamente em estados (que se dividem em municípios) e um Distrito Federal, a República Federativa da Argentina é organizada em províncias (divididas em departamentos) e um Distrito federal.

 

[2] É que causa estranheza, mormente na contemporaneidade, a abundância de oferta de peças que deveriam advir de erros singulares, localizados, logo, excepcionais.

 

13 de fevereiro de 2024.

Leonardo Rodrigues Tupinambá*

 

AS MÚLTIPLAS IDENTIDADES DO PATACÃO

 

Amiúde, chama-se de “patacão” o numerário brasileiro amoedado com a cifra de 960 réis e cunhado predominantemente sobre outras moedas, sendo o mais corriqueiro o recunho em peças de 8 reales oriundas das colônias espanholas na América.

 

A denominação popular, segundo a explicação mais convencional, derivaria do valor gravado nas peças, que corresponde ao de 3 (três) patacas (moedas portuguesas em prata, com cifra de 320 réis, circulantes no Brasil de 1695 até 1834).

 

Originalmente, contudo, na numismática lusitana, o termo dizia respeito a uma peça bem diferente, tanto em composição quanto em valor, tendo surgido atrelado a uma moeda grande (36/41 mm), em cobre, com a cifra de X (dez) reais, batida a partir do reinado de D. João III (1521-1557). Considerando que as provisões de 1568, assinadas por D. Sebastião I, determinaram a difusão no Brasil, como uma das colônias de Portugal, desse tipo de moeda, não soa estranho afirmar que já tivemos um patacão nacional em cobre legalmente em circulação. A predita moeda, pela disparidade de cifra, características e período, por óbvio, não se confunde com os ensaios monetários em cobre das moedas de 960 réis feitos em 1809 e 1810.

 

 

* Promotor de Justiça, Escritor, Membro da Sociedade Numismática Maranhense e da Sociedade Numismática Brasileira.

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Noutro passo, importa apontar que o termo patacão igualmente chegou a ser utilizado para moedas portuguesas de 40 réis, feitas em bronze, como aumentativo de pataca, já que tais peças tinham por peculiaridade suas medidas exuberantes (36 mm de diâmetro, 2 mm de espessura e 38,40 g de peso), notadamente as feitas por D. João VI com metal advindo de canhões e sinos de igrejas. Explica-se: em detrimento da crise sofrida por Portugal ao tempo de sua administração (regência e reinado, respectivamente de 1799 a 1816 e de 1816 a 1826), numa tentativa de obscurecer a inflação, D. Joao VI decidiu criar uma moeda de metal não precioso, porém grande em tamanho e em peso, intuindo gerar no povo a sensação de que valia muito. Para implementar a decisão mandou derreter todos os canhões dos navios de guerra e dos fortes do exército, bem assim centenas de sinos de igrejas, o que acabou gerando forte revolta no clero português. A moeda nascida em tais circunstâncias encerra em si uma legenda única em latim, qual seja, “UTILITATI PUBLICAE” (em tradução livre: “Utilidade Pública” ou “Para Utilidade Pública”) que se relaciona perfeitamente com o seu propósito.  

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Curioso notar, por fim, que a palavra “patacão”, em sua forma hispânica, isto é, “patacón”, passou a designar vulgarmente a moeda de 1 (um) peso em prata da Argentina, batida de 1881 a 1883, muito embora o país platino tenha chegado a confeccionar, em idos de 1879, ensaios de tais peças, igualmente em prata, com pequena variação de carácteres em relação aos exemplares efetivamente difundidos, nos quais a unidade monetária era nominada “patacon”, tanto que assim gravado na face em que a cifra era apresentada.

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Em conclusão, nota-se que se o sestércio, na moedagem romana, com o passar do tempo, deixou de ser uma moeda em prata para se converter numa moeda em bronze; o patacão, na numária luso-brasileira, de seu turno, seguiu direção diametralmente oposta, de modo a, em sua evolução, incorporar metal mais nobre e elevar-se em status. Nada obstante, apesar de servir para identificar moedas com características diferentes, geralmente imponentes, registradas em mais de um país[1], jamais foi um nome oficial, ao contrário de sua matriz nominal, a pataca, cuja longevidade[2] de uso como dinheiro alcança até os dias atuais, como se percebe em Macau, região especial da China impregnada de legado português.

 

 

Moral da história: “Que grande peso é um nome demasiado famoso” (Voltaire).

 

 

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

SMITH, José Ricardo. O Pataco Canhão. Blog de Rocha, Amapá, 1 de abril de 2019. Disponível em: https://www.blogderocha.com.br/moedas-e-curiosidades-o-pataco-canhao-por-smithjudoteam/. Acesso em: 13 de fevereiro de 2024.

 

CUJAH, George S.; MICHAEL, Thomas. Standard Catalog of World Coins: 1801-1900. 7. ed. Lola, Wisconsin: Krause Publications, 2012.

 

GOMES, Alberto. Moedas portuguesas e do território que hoje é Portugal. 4. ed. Lisboa: Associação Numismática de Portugal, 2004. 

 

JANSON, Hector Carlos. Amonedación de la República Argentina (1881-2009). 5. ed. Buenos Aires: SOPEÑA, 2009.

 

SILVA, Reinaldo. Moedas de Portugal: de D. Pedro Príncipe Regente até a actualidade (1667-2022). Lisboa: NND Publicações, 2022.

 

 

 

[1] Como visto, no Brasil e na Argentina, mas também na Colômbia, onde o patacón foi a primeira moeda usada em Cúcuta, e no Equador, que no século XVIII usava a palavra para designar certas moedas cunhadas em prata e cobre.

[2] Etimologicamente, a palavra “pataca” vem do arábico “batakká”, traduzido livremente como “janela”, isto porque as moedas cunhadas pelos árabes na Idade Média tinham em uma das faces um desenho que representava um “mihrab”, espécie de nicho que lembrava aquele tipo de abertura numa construção. A palavra teria influenciado a expressão “patácca”, no idioma italiano, cujo sentido original significava “moeda de prata dos países muçulmanos”, difundindo-se, a partir daí, pela Europa.

 

 

ENTREVISTA DA SNB COM NUMISMÁTA 

LEONARNDO TUPINAMBÁ

 

Em 27/02/2023

Fonte: SNB - Sociedade Numismática Brasileira (YouTube)